segunda-feira, 5 de abril de 2010

Divagações de um eleitor brasileiro.

Por que somos obrigados a votar? Qual a justificativa para uma lei tão estranha quanto a nossa, em que um direito é interpretado como um dever? Começo o texto com essas perguntas pois delas vão se abrir todas as outras.

Pretendo prestar um concurso público em breve. Dentre os documentos pedidos está o comprovante de quitação com a justiça eleitoral, necessário por que o voto por essas bandas é obrigatório. Muito bem, a Justiça Eleitoral tem um endereço eletrônico que permite imprimir tal documento a partir do número do título de eleitor, mas no meu caso apareceu uma mensagem dizendo que eu deveria ir até um cartório eleitoral. Inferi que havia algum problema com meu cadastro e fui até lá na quarta-feira passada (31/03/2010). Mas a Justiça Eleitoral estava em recesso devido às festividades da Páscoa. Como assim? A Páscoa é no domingo, dia em que eles já não trabalhariam normalmente. O único feriado para a maioria dos mortais brasileiros é a Sexta-feira da Paixão. Alguns colégios confessionais suspendem as atividades já na quinta-feira, por se tratar do dia da Santa Ceia e do Lava-Pés, celebrações importantes para os católicos. Mas o estado laico não deveria se pautar pelas nossas celebrações, não é mesmo? Vá lá, com boa vontade eu concedo que os funcionários da Justiça Eleitoral folguem na quinta-feira, muitos podem ser católicos ou ter filhos em escolas católicas. Mas e a quarta-feira? Por que não trabalhar na quarta-feira? Alguém com conhecimentos mais avançados em Teologia Cristã pode me dar alguma explicação para isso?

Hoje de manhã (05/04/2010) voltei a procurar a Justiça Eleitoral. Fui bem atendido por uma moça que esclareceu o problema. Deixei de votar no primeiro turno da eleição de 2002. É verdade, lembrei, estava em viagem para o exterior (Canadá) em uma cidade onde não havia consulado brasileiro e deveria ter regularizado minha situação na volta. Sem problemas, explicou a funcionária, basta pagar uma pequena multa de R$ 3,51 e estará tudo resolvido.

Aqui abre-se uma chave em nossa pequena história. Fosse este um país desenvolvido, eu não precisaria receber esta informação pessoalmente, concordam? Por que o programa da TSE já não indicou qual era a minha pendência? De preferência, poderia haver um link do tipo "Pague aqui a sua multa" e eu faria tudo pela internet, finalizando com a impressão do esperado documento.

Mas o Brasil não é desenvolvido, lembrei-me. Não ainda, segundo a nomenclatura corrente que o classifica como "em desenvolvimento". Prefiro a descrição mais precisa do nosso hino nacional: "deitado eternamente em berço esplêndido"! Mas volto a nossa condição. Fôssemos o país grande mas ainda não completamente maduro que alardeiam os analistas, bastaria tirar do bolso um punhado de moedas e pagar ali mesmo a minha multa, certo?

Claro que não! Eu teria que pagar um título, chamado "Guia de Recolhimento da União", exclusivamente no Banco do Brasil. E a partir deste fato, divago novamente, por que raios um funcionário público não pode receber meu dinheiro? É para evitar desvios, explica-me uma alma caridosa! Fico pensando se já não ocorreu ao Abílio Diniz reduzir os desvios de dinheiro nos caixas de seus supermercados e aumentar seus lucros. Imagine que maravilha, você escolhe seus produtos e passa no caixa. A atendente então saca um boleto bancário e manda você pagar a sua conta em outro lugar, fora do supermercado, e voltar com o recibo para só então liberar a compra. Não seria fantástico?

No caminho do banco encontro um correspondente bancário, justamente do Banco do Brasil. Que sorte, pensei, não vou precisar enfrentar a quilométrica fila do banco, posso pagar por aqui mesmo. Fiquei na fila e a caixa de longe viu a folha na minha mão e já foi avisando que não poderia me ajudar.

Chego finalmente ao Banco do Brasil. Já repararam que hoje em dia você entra na agência e não vê os caixas? Eles estão sempre escondidos atrás de uma parede ou no segundo andar. É uma tática aprendida com os parques de diversão, cujas filas são muito bem disfarçadas ou mesmo escondidas em um zigue-zague sem fim. No caso desta agência em particular, os caixas ficavam no segundo andar e para chegar até lá era preciso pegar uma senha já no térreo. Lá em cima havia um monte de gente com suas senhas na mão, tão lotado que não havia cadeiras para todos. Percebi que algumas senhas começavam com "P", de prioritário, para pessoas idosas, mulheres gestantes etc., outras com "C" para clientes do banco e ainda "R", que era o caso da minha. Logo imaginei que "R" era para os recolhimentos exclusivos, feitos por essa gente chata que lota o banco mas não compra nenhum serviço do banco, ou seja, só dá despesa. Pela descrição anterior, já podem imaginar que a minha senha era a de prioridade mais baixa, não é mesmo? Não pude deixar de pensar, com toda elegância e polidez que me são peculiares, por que nenhum governo teve ainda a coragem de vender esta merda de banco!

O saldo final da minha aventura vespertina foi que peguei meu documento de quitação eleitoral e vou poder prestar o concurso. Mas paguei R$ 11,00 de estacionamento e R$ 3,51 de multa, o que por si mostra que um dos dois valores é desproporcionado. E fiquei me perguntando, por que eu sou obrigado a votar? Por quê?

3 comentários:

CLDG disse...

Você é obrigado a votar para manter o emprego da moça educada, o emprego do fazedor das guias, o emprego do caixa do banco. Para isso! Para manter a burocracia! Dessa epopeia, o que valeu a pena foi pagar o estacionamento... pelo menos fez girar a economia...

Fernando Lacerda disse...

Não tirando o mérito do grito de mais um cidadão que viu, mais uma vez, suas mãos amarradas pela burocracia; concentrando-me na pergunta, tem um artigo interessante que discute as vantagens e desvantagens do volto compulsório.
Creio que o argumento mais convincente para responder à sua pergunta é o item 2.f: o nosso Brasil, em desenvolvimento — como muito bem ressaltado pelo autor do blog —, simplesmente não está preparado para o voto facultativo.
A pergunta que segue, portanto, é: quando estaremos?

Danilo disse...

Meus dois centavos (como diriam num pais "considerado" desenvolvido):

1. Se o voto é tao importante para o governo para ser *obrigatorio*, entao a multa por nao se votar deveria refletir a importancia do voto... ou nao? Ou sera que devo ver a coisa pelo outro lado: o voto de um brasileiro so vale R$3,51 ???!!!!

2. Caso vc more no exterior (como é o meu caso e isso explica a falta de acentuacao no meu texto), vc é *obrigado* (novamente a tal transformacao do direito em dever) a transferir seu titulo para o consulado mais proximo (mesmo que ele seja a centenas de km's de distancia) e comparecer pessoalmente para votar para presidente (mesmo estando longe e sendo mais dificil acompanhar todas as CPIs e escandalos).

Enfim, sempre achei um absurdo essa coisa do voto ser obrigatorio...