quinta-feira, 24 de maio de 2007

Irmão

Depois do post abaixo sobre o HQNV, fiquei dias pensando na última frase do texto, onde está escrito que ele é meu maior amigo, exclamação. Comecei a pensar que talvez não tenha sido justo com alguns outros amigos. Resolvi escrever sobre eles também, assim quem sabe a minha consciência me deixe em paz (tenho um super-ego cruel, fica martelando na minha cabeça quando acha que pisei na bola).

Definir uma ordem de grandeza para a amizade não é tarefa fácil. Nunca consegui usar aquela classificação do Orkut para separar os amigos em categorias. Como em toda avaliação, as extremidades são muito claras, por isso não tenho dúvidas quando falo do HQNV ou sobre aqueles que estão na laterna...Mas e os demais?

Tenho um grande amigo, por conta dele comecei a escrever este texto. É quase um irmão, mas sem as picuinhas e os ciúmes de família. Aliás, a comparação com família é muito adequada. Deixei a minha para trás quando vim estudar por aqui, mas em uma idade difícil, quando ainda precisava dela mas era muito novo para começar a minha própria. E foi o que esse amigo me proporcionou tão gratuitamente.

Passávamos o fim de semana estudando. Bem, ele estudava, eu aproveitava cada segundo daquela convivência familiar que sentia tanta falta. Bem mais que as integrais que a gente aprendeu a calcular (e esqueceu pouco depois da prova) o que ficou foi a acolhida, o gosto do almoço de domingo, as conversas, as risadas.

É aquela pessoa com quem você pode contar. Que quando diz "Liga para mim se precisar de alguma coisa" não está fazendo tipo. E quantas vezes eu já me vali dessa disponibilidade. Uma vez eu liguei de Palmas pedindo para que ele me buscasse no aeroporto algumas horas depois, assim, no mesmo dia. E ele estava lá, agüentou até o atraso na chegada. Já me ajudou em casa com uma torneira que não funcionava, já me tirou de uma festa em que eu estava dando vexame...

Somos padrinhos de casamento um do outro. Assim, aquela ligação familiar permanece nas novas famílias que criamos, pois estamos sempre fazendo algum programa juntos. Espero que a gente conserve essa amizade até os nossos filhos crescerem.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

O Homem Que Nunca Votou

Tenho um amigo que nunca votou na vida. Nunca, nem uma mísera vez! Se este texto estivesse sendo escrito na década de 70, faria todo o sentido. Mas não, estou falando de alguém que já tinha idade para votar em 94.

Sou tão invocado com essa história que acompanho desde os tempos de faculdade. A primeira eleição que o sujeito perdeu foi a de 94, quando ainda era facultativo para ele votar (acho que ele não se irrita com a divulgação da sua idade). Disse que ficou com preguiça de ir até a sessão eleitoral! Fanático por política, votei sim nessa eleição, ainda que não fosse obrigatório. Em 95 nos mudamos para Campinas, vindos de nossas respectivas cidades. Uma das primeiras providências que tomei foi transferir meu título de eleitor. As eleições para prefeito de 96 foram as primeiras realizadas inteiramente na urna eletrônica, houve grande renovação dos convocados para mesário e eu acabei nessa.

Não fiquei nada feliz na época, é fato. Ser obrigado a trabalhar quando todos estão descansando. O Homem Que Nunca Votou deu boas risadas de mim, encontrando no fato a desculpa perfeita:
- Não transferi o meu título para não ter de trabalhar como você!
A verdade é que ser mesário de eleição, especialmente em tempos de urna eletrônica, é divertidíssimo. Conhecemos gente nova, batemos papo, observamos as pessoas, seus nomes engraçados, suas roupas engraçadas...

A próxima eleição seria a de 98. Não votei nessa pois estava morando na Alemanha e perdi o prazo para transferência do meu título. Meu amigo ainda não tinha transferido o título, ou seja, nada de votar. Em 2000, nova eleição para prefeito. Eu votei no Toninho, que foi assassinado na véspera do ataque às torres gêmeas. Meu amigo estava estudando na França, logo...Assim que terminou sua estadia na França, voltou ao Brasil mas nem assim, pois em 2002 já estava fazendo doutorado no Canadá. Assim como nas eleições para prefeito em 2004, plebicito sobre vendas de armas em 2005, eleição para presidente em 2006!!!

O pior não é o absurdo de se abster de 8 eleições em seqüência!!! O pior é discutir política eleitoral, coisa que me confessou outro dia, não faz mais. Levantava polêmicas sobre a venda de armas, lá do conforto canadense, veja você...Era a tradução perfeita do "leitor de orelhas" para a política.

O Homem Que Nunca Votou é meu maior amigo! Maior! Escolhi esse aspecto particular das nossas vidas -- outros podem vir a ser publicados, com ou sem o seu consentimento -- pois mostra o quanto somos diferentes e nem por isso a nossa amizade se enfraquece. A grande inspiração para escrever esse blog é dele, ainda que eu tenha uma parcela ínfima do seu talento de escritor. Amigo, fica a minha homenagem a você!

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Alim Pedro

O Alim Pedro original é o da direita


Estou acostumado a dar uma longa explicação sempre que digo meu nome a alguém. Primeiro é a forma de escrever. Incrível a disposição dos brasileiros de colocar "ll" em tudo quanto é nome. Além de trocarem o "m" final por "n", inexplicavelmente. De tão acostumado, eu até me adianto e digo: "Alim, com "m" de Maria no final". Em vão, é só observar o papel e lá está o "n"...

Começa o seguinte diálogo:

- Você é descendente de árabe/turco/libanês?
- Não, o nome é, muito provavelmente, mas eu não sou. Não que eu tenha alguma coisa contra.
- Engraçado, você tem cara de turco! (No Brasil, todo árabe é turco. O que não faz o menor sentido, pois os turcos são persas e não árabes, hehe)

Posso então imaginar o que as pessoas estão pensando: "ué, se não é turco, porque tem esse nome esquisito?"

O primeiro Alim Pedro foi prefeito do Distrito Federal do Rio de Janeiro. Minha avó paterna ouvia o nome do dito cujo pelo rádio, e sei lá porque, gostava. Deu o nome para um dos filhos, que morreu muito cedo. Quando nasci, meu pai quis homenagear a memória do irmão.

O que o Alim Pedro original tinha de tão especial, eu não sei. Foi presidente do IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários). Era engenheiro civil. Teria sido um bom prefeito, um bom orador, por que a minha avó se impressionou tanto com o nome que ouviu pelo rádio? Curiosamente, não encontrei registros de outros sobrenomes do sujeito, o que me impede até de confirmar se ele era mesmo árabe (ou persa).

Quando fui estudar na Alemanha como bolsista, tive uma colega do Rio. A avó dela, ao ver meu nome na lista dos aprovados disse para a neta: "Você vai conhecer gente importante, olha esse aqui, deve ser neto!" Ou seja, minha aprovação já havia sido colocada em suspeita de favorecimento ;)

Sou nome de parque em Porto Alegre. Não tive ainda a chance de conhecê-lo. Quem sabe um dia, se os petistas de lá não tentarem mudar o nome para "Parque Fidel Castro" (o homem já está para morrer), "Parque do Trabalhador", "Parque América Latina"...

quarta-feira, 9 de maio de 2007

De como um marxista me tornou liberal

Leo Huberman, muito obrigado!


Já fui de esquerda. Daqueles de usar estrelinha do PT, fazer mil discursos contra "as elites", julgar outros como crápulas por não partilharem da minha ideologia e todos os cacoetes a que estamos expostos tão infelizmente nos últimos tempos.

Não sei direito quando tudo começou. Tem uma influência paterna, certamente. Meu pai gosta muito de política e é um defensor ferrenho do governo Lula até hoje (acho que não tem mais cura para ele). Mais tarde, nas quinta e sexta séries tive uma professora de história e geografia que era uma verdadeira doutrinadora da esquerda (e existe outro tipo?). Ela falava muito sobre como a história que estudávamos era a versão dos vencedores, de como a distribuição de riqueza no mundo era desigual, tinha simpatia pelo Fidel, ódio dos EUA e das multinacionais. O colégio em que eu estudava era particular e logo os pais da classe média dali começaram a ficar muito incomodados. A professora foi demitida e lembro bem o quanto isso me revoltou! Hoje tenho um filho pequeno e entendo bem a preocupação daqueles pais.

Assim me tornei um eleitor, cheguei a votar na legenda em muitas eleições. Passar cheque em branco para o PT, como é duro admitir que já fiz isso na vida...Fui assinante de Caros Amigos, cheguei a fazer panfletagem contra um projeto de cobrar mensalidades em universidades públicas, sabe lá quantos não convenci na minhas discussões políticas...

Foi quando aconteceu. Tinha na cabeça um livro que era muito comentado quando fiz o ensino médio: "A História da Riqueza do Homem". Sabia muito bem que livro era todo escrito usando a materialismo dialético de Marx e que o autor esperava ganhar consciências para a esquerda. Sem saber o que pedir de amigo secreto, já no fim da faculdade, acabei ganhando o livro.

Trata-se de um livro muito bem escrito, simples e coloquial, empolgante até. Um dos capítulos trata do liberalismo econômico, o movimento de laissez faire, laissez passer, que o livro traduz com bastante eficácia para "Deixe-nos em paz!". Foi nesse momento que alguma coisa mudou no meu mundo das idéias. Achei isso tudo muito radical e bonito: deixe as pessoas livres! Livres para produzir o que bem entenderem, livres do jugo estatal, livres da imposição de taxas. A questão da liberdade falou tão fundo em mim que cheguei a conclusão de que a grande revolução não era a de uma ditadura do proletariado, mas a de construir uma sociedade verdadeiramente livre.

Nem continuei a leitura, tão fascinado que estava com as minhas novas idéias. Mais tarde eu fiquei me perguntando, por que Leo Huberman fez uma descrição tão simpática do liberalismo econômico, a ponto de converter um leitor para a direita? Tenho certeza que não era essa a sua intenção ao escrever o livro. Minha teoria é que a dialética marxista entendia que o liberalismo econômico era um passo fundamental para a construção do socialismo. Ele geraria uma burguesia cada vez mais rica e opressora, fomentando a luta de classes. Já ouvi até dizer que havia um ditado no Brasil entre os militantes de esquerda em 1960: "Não dê esmolas, não atrase a revolução!". Depois descobri alguns teóricos que encontram na ascensão da burguesia durante a Revolução Francesa o nascimento das duas correntes aparentemete antagônicas, o comunismo e o liberalismo. Seriam como duas faces de uma mesma moeda, pois ambos separam a economia da moral e ancoram-se em valores puramente materialistas.

Não é o meu caso! Acredito sinceramente que o Estado é parte do problema e não da solução. Nem por isso sou um materialista, a questão para mim é menos de riqueza e mais de liberdade.

Cultura


O girino é o peixinho do sapo
O silêncio é o começo do papo
O bigode é a antena do gato
O cavalo é pasto do carrapato

O cabrito é o cordeiro da cabra
O pecoço é a barriga da cobra
O leitão é um porquinho mais novo
A galinha é um pouquinho do ovo

O desejo é o começo do corpo
Engordar é a tarefa do porco
A cegonha é a girafa do ganso
O cachorro é um lobo mais manso

O escuro é a metade da zebra
As raízes são as veias da seiva
O camelo é um cavalo sem sede
Tartaruga por dentro é parede

O potrinho é o bezerro da égua
A batalha é o começo da trégua
Papagaio é um dragão miniatura
Bactérias num meio é cultura

(Arnaldo Antunes in "Nome" São Paulo.BMG Ariola Discos,1993)

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Bem Vindos!


Caríssimo leitor,

Muito bem vindo ao "Leitor de Orelhas". Este espaço é o ponto de encontro para pessoas que parecem cultas, mas no fundo sabem muito pouca coisa sobre quase tudo. Este não era o título preferido, mas a moda dos blogs é tão grande por aí que vários blogueiros já haviam passado na minha frente na escolha dos nomes.

Mas o que é, afinal, um "leitor de orelhas"? Não se trata de alguém que consegue fazer previsões a partir das voltas do lóbulo auricular de outra pessoa. Sei que pode parecer estranho, mas até acredito que exista gente fazendo isso por aí...Já vi muitos conhecidos com umas sementes coladas à orelha, a pressionar pontos de acupuntura, jurando sentir os efeitos!

As orelhas a que me refiro no título deste blog não são humanas. Embora tenham sido criadas por homens, elas fazem parte do mundo dos livros. O leitor de orelhas é aquele que não tem tempo, disposição, capacidade, não necessariamente nessa mesma ordem, de ler obras completas, mas que se delicia de simplesmente saber do que elas tratam, conhecer resenhas, ler o que o editor escreveu na contra-capa...

Se você ainda não é um, posso garantir que vale muito a pena! É a forma mais rápida e barata de conseguir impressionar as pessoas em uma mesa de bar. O leitor de orelhas pode citar aforismos de Nietzsche, teorias de Freud, filmes de Almodovar...o céu é o limite! É claro que o leitor de orelhas deve contar com a ignorância geral sobre os assuntos de que discorre, mas isso não é lá uma hipótese muito radical.

Quero usar este blog para expressar minhas idéias sobre quase tudo, com enorme sinceridade de quem já no título do blog assume sua impostura intelectual. Que a gente se divirta aqui como em uma descompromissada discussão regada a cerveja e amendoim!